A entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) se aproxima, mas ainda existem muitas indefinições acerca da aplicabilidade da Lei no dia a dia das organizações e de como será feito o controle e fiscalização do cumprimento das disposições.
Uma das grandes indefinições no atual cenário se deve ao fato da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) ainda não estar em funcionamento. Essa Autoridade terá como atribuições zelar, implementar, fiscalizar e desempenhar papel regulatório perante as atividades de tratamento de dados pessoais nos setores público e privado do país, agindo de forma autônoma e independente.
Apesar de já ter sido criada pela MP 869/2018, aprovada com modificações e convertida na Lei 13.853/2019, a ANPD ainda não foi estruturada, não possuindo quadro funcional definido, muito menos tem condições de exercer as competências para a qual foi criada e que neste momento tanto faz falta às empresas brasileiras.
Ainda, não há previsão de quando será editado o decreto presidencial com o estabelecimento dos parâmetros da estrutura da Autoridade, razão pela qual faz surgir a natural dedução de que não há risco de fiscalização e penalizações enquanto a Autoridade Nacional não estiver em atuação.
Entretanto, esse pensamento é equivocado, uma vez que existem diversos outros órgãos de controle muito ativos na defesa da proteção dos dados pessoais, até mesmo antes da entrada em vigor da LGPD. Portanto, percebe-se a necessidade de as organizações se dedicarem ao compliance e conformidade o quanto antes, pois já existe controle atuante, a despeito do vácuo regulatório deixado pela ausência de estruturação da ANPD.
Essa atuação paliativa de órgãos como o PROCON, os Ministérios Públicos (MP) e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), tende a aumentar com a entrada em vigor da Lei, mesmo que o vácuo mencionado da ANPD se arraste por maior tempo.
A possibilidade de que órgãos de proteção ao consumidor atuem nesta frente de manutenção da privacidade, diz respeito ao fato de que muitos ditames da LGPD tangenciam questões afetas a outras legislações que já estão em plena vigência, especialmente no sistema consumerista.
Feita essa observação e retomando-se a questão da regulação pendente da ANPD, é possível prever que órgãos como PROCON e MP continuarão exercendo papel fiscalizador e penalizador nos casos pertinentes. Essa previsão se dá pela disponibilização, como exemplo, de meios para registro de reclamações por violação de dados pessoais feito através do Sistema Integrado de Atendimento do PROCON-SP no ar desde março deste ano de 2020.
Nesse caso, o órgão justificou a medida por ser parte integrante do Sistema Nacional de Proteção ao Consumidor com legitimidade para investigar casos em que o tratamento de dados ocorra em desconformidade com a legislação vigente, ou seja, o Código de Defesa do Consumidor, que também conta com diversos dispositivos que versam sobre os direitos do titular de dados pessoais.
Ainda, em maio deste ano, o PROCON-/SP chegou a notificar aplicativo de vídeos utilizado em ampla escala com pedido de explicações acerca de possíveis violações de privacidade de crianças e para que a empresa que gerencia o aplicativo responda sobre sua adequação à LGPD.[i]
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, por sua vez, participou de evento no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) sobre a Lei Geral de Proteção de Dados no final de 2019[ii]. São eventos como esse que deixam clara a movimentação da sociedade em prol da privacidade e proteção de dados, especialmente de órgãos que já possuem o viés de fiscalização em suas naturezas de atuação.
Há, também, reflexos do tema na jurisprudência, mesmo antes da entrada em vigor da LGPD ou estruturação da ANPD, o que destaca novamente a necessidade de início do processo de adequação imediato por parte das organizações. Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp 1.758.799/MG[iii] pela Terceira Turma, asseverou que o compartilhamento de dados pessoais entre bancos exige notificação prévia ao titular. Ainda que a decisão não tenha feito referência à LGPD, revelou o avanço da temática de proteção de dados pessoais na sociedade e nos poderes do Estado.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua vez, investiu na veiculação de um hotsite dedicado à LGPD e na inclusão da categoria “Proteção de dados pessoais” no sistema informatizado de protocolo de processos judiciais. Com isso, destacou-se o tribunal pelo pioneirismo, que tende a se espalhar pelo país.[iv]
Por todo o exposto, resta claro que o fato de a ANPD não estar devidamente estruturada gera um cenário de instabilidade, mas não leva a uma ausência completa de controle e fiscalização em relação ao cumprimento da LGPD. Não obstante a aplicação de sanções tendo como fundamento a LGPD ainda não aconteça, a fiscalização e possibilidade de aplicação de sanções previstas em outros normativos, como é o caso do CDC, está presente e em vigência.
Neste artigo foi visto, inclusive, casos de órgãos do consumidor ou tribunais de justiça que já exercem o papel de regulamentação e controle em face da proteção de dados pessoais. Isso reforça a urgência de dar o pontapé inicial ou a continuidade no seu projeto de adequação à LGPD. Uma consultoria especializada pode potencializar seu processo e te auxiliar a estar em conformidade com a legislação de forma mais rápida e segura.
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Camila Borges Pires
Analista Jurídica da Every
[i] Procon-SP. Notificação TikTok. Disponível em: https://www.procon.sp.gov.br/notificacao-tik-tok/ [ii] CNMP. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é tema de debate em mesa-redonda no CNMP. Disponível em https://www.cnmp.mp.br/portal/todas-as-noticias/12762-lei-geral-de-protecao-de-dados-lgpd-e-tema-de-debate-em-mesa-redonda-no-cnmp [iii] Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL Nº 1.758.799 – MG. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=REsp%201758799 [iv] ANOREG-BR. TJ/SP – Pioneirismo: TJSP sai na frente e lança hotsite da LGPD e Comunicado CG nº 663/20. Disponível em: https://www.anoreg.org.br/site/2020/07/24/tj-sp-pioneirismo-tjsp-sai-na-frente-e-lanca-hotsite-da-lgpd-e-comunicado-cg-no-663-20/
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